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Real Gabinete Portugues de Leitura

ELA É CONSIDERADA UMA DAS DEZ BIBLIOTECAS MAIS BONITAS DO MUNDO E RECEBE CERCA DE 1.300 VISITANTES POR DIA. NO CENTRO DO RIO, ENCONTRA-SE O MAIOR ACERVO DA LITERATURA LUSITANA FORA DE PORTUGAL, GUARDANDO OBRAS PRECIOSAS, COMO A PRIMEIRA EDIÇÃO DE OS LUSÍADAS, DE LUÍS DE CAMÕES. COM GRANDE SIGNIFICAÇÃO HISTÓRICA, ESTE TEMPLO DA LITERATURA É UM CONVITE AO DELEITE PARA OS AMANTES DA CULTURA.

REAL GABINETE PORTUGUES DE LEITURA
BELEZA QUE ENCANTA O MUNDO

Na chegada ao salão principal, uma sensação de encantamento na medida em que o olhar se ergue, acompanhando o curso das estantes de livros infindáveis, arrematadas por bordados de ferro, que apontam para um misto de luzes dissipadas de uma claraboia e de um lustre suspenso a quase 30 metros de altura. Projetado pelo arquiteto português Rafael da Silva Castro, o prédio em estilo manuelino evoca a Era dos Descobrimentos, com inspiração no Mosteiro dos Jerónimos, em Portugal. Os desavisados chegam a confundir o lugar com uma catedral. Há quem passe pela porta e até se benza. É compreensível, pois o Real Gabinete Português de Leitura mais parece um verdadeiro templo sagrado dos livros. “Diferente de qualquer biblioteca em que já estive, ainda um bocado espantado com tudo que vejo, é algo de outro mundo”, descreve o visitante Afonso Couto, olhando ao redor.

O reconhecimento como a oitava biblioteca mais bonita do mundo faz parte do ranking de 2025, promovido pelo 1000 Libraries Awards, da fundação internacional 1000 Libraries. Tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), o Real Gabinete Português de Leitura também foi eleito como a mais bela biblioteca oitocentista do mundo. A inauguração desta sede foi em 1887 e contou com a presença da princesa Isabel. Quem assegura isso é Francisco da Costa, presidente há oito anos do Real Gabinete Português de Leitura: “Em 10 de junho de 1880, época da comemoração dos 300 anos de Camões, D. Pedro II lançou a primeira pedra na construção deste prédio, cuja obra terminou em 1887. Mas quem inaugurou o Real Gabinete Português foi a princesa Isabel”.

No entanto, a história do Real Gabinete começa antes, em 1837, quando cerca de 40 portugueses constituíram um importante acervo de livros com o ideal de ampliar os horizontes intelectuais dos lusitanos que viviam na então capital do Império. Mal sabiam que estavam semeando o que hoje é considerada a mais antiga biblioteca em funcionamento da América Latina.

“Eduardo de Lemos investiu neste imóvel e conseguiu angariar fundos para a sua construção. Na inauguração, ele já não era mais o presidente, mas seus amigos fizerem este álbum com autógrafos e dedicatórias para homenageá-lo.”
Gilda Santos, vice-presidente cultural do Real Gabinete Português de Leitura

Mariana Leão e o presidente do Real Gabinete Português de Leitura, Francisco da Costa, seguram a primeira edição de Os Lusíadas, de Camões.

“Em 10 de junho de 1880, época da comemoração dos 300 anos de Camões, D. Pedro II lançou a primeira pedra na construção deste prédio, cuja obra terminou em 1887. Quem inaugurou o Real Gabinete Português foi a princesa Isabel.”
Francisco da Costa, presidente do Real Gabinete Português de Leitura

 

A HISTÓRIA DESSE RELICÁRIO DA CULTURA

Em 1900, o Gabinete transformou-se em biblioteca pública, abrindo suas portas a todos os leitores gratuitamente – porém, continua sendo de propriedade privada. Poucos anos depois, o rei D. Carlos I concedeu-lhe o título de Real, em reconhecimento à sua importância cultural. O acervo cresceu exponencialmente a partir da década de 30, impulsionado pelo “depósito legal”, garantido por decreto, que assegurou à instituição o recebimento de um exemplar de cada obra publicada em Portugal. Estão catalogados hoje quase 400 mil livros. Só o filólogo Ivanildo Bechara doou aproximadamente 39 mil volumes de sua biblioteca, e cerca de 4 mil livros foram ofertados pela família do escritor João do Rio.

Precisando ampliar seu espaço físico, a instituição recebeu investimentos que proporcionaram a aquisição do prédio anexo, a criação do Centro de Estudos e a implantação do setor de restauração e preservação dos livros antigos.

Além de guardar verdadeiras obras-primas da literatura, que datam desde 1520, o Real Gabinete é considerado uma biblioteca-museu, por abrigar também peças de inestimável valor histórico, como documentos preciosos da colonização portuguesa. É possível agendar uma visita guiada para explorar todos os pavimentos e se encantar com verdadeiros tesouros artísticos. Há telas de grande importância, como as obras do pintor português José Malhoa: O Descobrimento do Brasil e O Sonho do Infante. O busto de Camões é uma peça imponente localizada na Sala de Leitura, assim como o Livro de Ouro – uma homenagem a Eduardo de Lemos, presidente do Real Gabinete entre os anos de 1878 e 1882. A respeito dele, Gilda Santos, vice-presidente cultural do Real Gabinete Português de Leitura, comenta: “Eduardo de Lemos investiu neste imóvel e conseguiu angariar fundos para a sua construção. Na inauguração, ele já não era mais o presidente, mas seus amigos fizerem este álbum com autógrafos e dedicatórias para homenageá-lo”.
No andar superior, muitas obras de arte ajudam a contar a nossa história, com destaque para a peça Altar da Pátria, de 1,60 m de altura, localizada no átrio do Salão dos Brasões. Trata-se de uma escultura de ourivesaria assentada sobre uma base de mármore, que retrata as glórias marítimas portuguesas.

É praticamente impossível relacionar todas as raridades bibliográficas conservadas no Real Gabinete, mas há algumas que merecem destaque: os manuscritos originais do Dicionário da Língua Tupi, de Gonçalves Dias; os autógrafos do Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco; e a peça Tu, Só Tu, Puro Amor, de Machado de Assis, ofertada pelo próprio autor.

EMOÇÃO DIANTE DE UMA RARIDADE
Guardado a sete chaves, o primeiro exemplar de Os Lusíadas, de 1572, foi retirado do cofre exclusivamente para que esta colunista pudesse sentir a emoção de segurar o livro em que Camões colocou suas mãos. Existem relatos sugerindo que o poeta conferiu pessoalmente os primeiros 20 originais – o que torna este momento ainda mais especial!
Além dos célebres autores já citados, o Real Gabinete é constantemente procurado por pesquisadores em busca de obras clássicas. Só para citar algumas: D. Branca e Folhas Caídas, de Almeida Garrett; as primeiras edições de A Harpa do Crente, de Alexandre Herculano; A Viagem à Roda da Parvônia, de Guerra Junqueiro; O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e O Mandarim, de Eça de Queiros. A estas, podem ser acrescentadas muitas outras, não só de autores da língua portuguesa, mas também de estrangeiros, como Voltaire, Victor Hugo, Dante e Cervantes.
Descrever a experiência desta visita é como sentir a força descomunal dos livros, detentores exclusivos do poder de fazer repousar as palavras onde vivem os imortais. Mais do que uma biblioteca, o Real Gabinete preserva a alma de uma nação que se perpetua pela língua, pela arte e pelo conhecimento. Eis aqui um pedacinho de Portugal que floresce, há quase dois séculos, em solo brasileiro, para quem tem a sensibilidade de apreciar. Finalizo com Luís de Camões: “Quem não sabe arte, não na estima”.

O Real Gabinete Português de Leitura fica na rua Luís de Camões, 30, Centro, Rio de Janeiro. Aberto gratuitamente em dias úteis, das 10 às 17 horas. Inscrição para visitas guiadas pelo site: realgabinete.com.br

Mariana Leão é jornalista, apresentadora, repórter e editora, com passagem pelas emissoras Globo, Record, Rede TV e Band

 

 

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