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Segurança Alimentar: produzir mais com menos

PRODUZIR MAIS COM MENOS

AÇÕES IMEDIATAS PRECISAM SER TOMADAS PARA EVITAR QUE A FOME ALCANCE 1 BILHÃO DE PESSOAS NAS PRÓXIMAS DÉCADAS. EQUILIBRAR A BALANÇA ENTRE MEIO AMBIENTE E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS APARECE COMO O MELHOR CAMINHO, MAS TAMBÉM COMO O PRINCIPAL DESAFIO PARA FREAR ESSA GRAVE REALIDADE. PARA DEBATER O ASSUNTO, CONVERSAMOS COM O PRESIDENTE DA PESAGRO-RIO, PAULO RENATO MARQUES.

Ondas de calor, secas, tempestades… Quando falamos sobre as consequências das ações humanas que comprometem o clima, a lista parece não ter fim. Todas elas têm influência no dia a dia, na economia e na mesa das pessoas, trazendo ou agravando problemas como o da insegurança alimentar.

Atualmente, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 700 milhões de pessoas estão classificadas como subnutridas ou passam fome efetivamente em todo o mundo, o que representa 10% da população do planeta. E esse número tende a aumentar, caso o tema não seja tratado como prioridade, de acordo com Paulo Renato Marques, cientista político, doutor em sociologia e presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio). “Esse só não será um caminho apocalíptico se realmente passar a ser visto como uma prioridade mundial”, alerta.

2050: 1 BILHÃO DE
PESSOAS COM FOME

Ainda como aponta a FAO, a previsão é de que a população global chegue a 10 bilhões de pessoas até 2050. E a pergunta que surge a partir daí é: como será possível alimentar todo mundo – e isso sem causar mais danos ao planeta? Se soluções urgentes e eficazes não forem colocadas em prática, estima-se que, nesse mesmo ano, cerca de 1 bilhão de pessoas enfrentem a fome.

Estudos divulgados pela organização mostram que 56% da população mundial vivem atualmente em áreas urbanas, proporção que deve chegar a 70% até meados do século. Ou seja, haverá menos pessoas atuando no campo, enquanto nas cidades existirá uma população ainda maior, com mais poder aquisitivo e, consequentemente, maior demanda de consumo. “Isso vai aumentar a desigualdade e a assimetria que a gente encontra hoje na sociedade, o que é um problema sério”, salienta Marques.

Outro ponto que merece atenção é o fato de a produção de alimento em larga escala estar nas mãos de cinco países: China, Índia, Estados Unidos, Brasil e Rússia. Isso significa que esse pequeno grupo alimenta o mundo, e não há indícios de que o quadro mudará nas próximas décadas. Como destaca Marques, essa concentração representa um risco geopolítico relevante, capaz de ampliar vulnerabilidades e tensões em escala global.
O desperdício de alimentos aparece como mais um agravante dentro desse cenário. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), ele prejudica a economia global e fomenta a mudança climática, assim como a destruição da natureza e o aumento da poluição. “Se não houvesse desperdício, seria possível alimentar esse contingente de 700 milhões de pessoas”, afirma o presidente da Pesagro-Rio.

”Não há plano B: é preciso produzir alimento para sustentar o mundo e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente.”

Paulo Renato Marques, presidente da Pesagro-Rio

EMISSÕES DE CO2
DOBRARAM EM 30 ANOS
A emissão de gás carbônico (CO2) aparece como a grande vilã responsável pelo aumento da temperatura global. De acordo com dados do Global Carbon Project (Projeto Global de Carbono), iniciativa científica internacional que monitora os fluxos de carbono na Terra, metade de todo o volume de CO2 emitido nos últimos 150 anos está concentrada nas últimas três décadas. “Esse é um aumento exponencial que precisa ser freado. Essa emissão está relacionada ao aumento da temperatura e, para cada meio grau de elevação, há uma série de consequências, como derretimento de geleiras, alteração na densidade do mar e mudanças no clima de forma geral”, diz.

O Carbon Brief, site do Reino Unido especializado na ciência e nas políticas relacionadas às mudanças climáticas, coloca o Brasil na lista dos grandes poluidores do mundo, ao lado dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Mas enquanto nesses países a emissão de CO2 é majoritariamente relacionada ao processo de industrialização, por aqui ela está associada à atividade agropecuária. Para se ter uma ideia, a queima de solo – prática de atear fogo a terrenos para limpar e preparar a terra para o plantio ou a pecuária – faz parte da cultura brasileira, embora já existam técnicas capazes de substituí-la. Há, ainda, a questão do desmatamento e das queimadas, como lembra o presidente da Pesagro-Rio.

Essas questões acabam fomentando o debate entre agro e meio ambiente, colocando-os em lados opostos. Esta, porém, é uma visão equivocada, como defende Marques. “Existe essa discussão, que acho uma insanidade, como se um pudesse viver sem o outro. Não há plano B: é preciso produzir alimento para sustentar o mundo e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente”, garante.

”Se não houvesse desperdício, seria possível alimentar esse contingente de 700 milhões de pessoas [classificadas como subnutridas ou
que passam fome no mundo].”

Paulo Renato Marques, presidente da Pesagro-Rio

FOCO NA PRODUTIVIDADE
SUSTENTÁVEL
Em resposta a tantos desafios globais, surge a chamada Agricultura 4.0. Essa nova fase do agronegócio se propõe a modernizar as práticas agrícolas com o uso de tecnologias avançadas, como drones, genética de ponta, sensores e controles ópticos, que já vêm sendo incorporadas, principalmente, pelos grandes produtores.


Aliado a tudo isso, deve vir o primordial: o aumento da produção com a utilização de menos recursos naturais. Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que um crescimento de 15% na produtividade poderia colocar fim ao problema da insegurança alimentar. “Importante destacar que estamos falando de aumento de produtividade, e não de área. Isso significa que é necessário aumentar a produção usando menos água, menos terra, menos defensivos, menos fertilizantes, ou seja, menos recursos. Precisamos produzir mais, com menos. Esse é o grande desafio”, afirma.

Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que um crescimento de 15% na produtividade poderia colocar fim ao problema da insegurança alimentar.

Marcos Salles é jornalista e presidente da Revista Manchete

 

ALTERNATIVAS
NO RIO DE JANEIRO

Com 97% da população vivendo em áreas urbanas, o estado do Rio de Janeiro conta com uma agricultura familiar baseada em pequenas propriedades. Para fortalecer esses produtores, a Pesagro-Rio aposta em alternativas que garantam a sobrevivência no campo e a competitividade frente a produtos que vêm de fora.

Uma delas é oferecer conhecimento, tecnologia e equipamentos para a produção de produtos de valor agregado, com qualidade excepcional e reconhecidos, principalmente, dentro do próprio estado. “Nós produzimos 300 mil sacas de café. Minas Gerais, 30 milhões. Então, a gente vai investir em um café gourmet, um café que tenha um diferencial, um nível de competitividade diferente”, explica Paulo Renato Marques.

Com centros estaduais de pesquisa espalhados por todo o estado, a Pesagro-Rio está em constante ascensão. Recentemente, foi inaugurado um laboratório de solos e dois outros estão sendo construídos: um voltado para o café, no Noroeste fluminense, e outro dedicado à uva, no município de Areal. O cultivo da fruta tem sido uma grata surpresa no estado, e a expectativa é de que, em cinco anos, a região se consolide como um destino de turismo enólogo. “O que estamos fazendo com a uva nessa região é uma coisa absolutamente surpreendente. Hoje, quem vai a Areal tem a sensação de estar na Itália ou em Portugal degustando um vinho com qualidade semelhante à desses países europeus”, comemora Marques.