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Estrela das Praias Cariocas

NO TRADICIONAL AVIÃOZINHO QUE SOBREVOA A ORLA DO RIO DE JANEIRO, JÁ TEVE PEDIDO DE CASAMENTO, DECLARAÇÃO DE AMOR, COBRANÇA DE DÍVIDA E ATÉ ALERTA DE TRAIÇÃO. O QUE COUBER NA FAIXA É RECADO DADO NA PUBLICIDADE AÉREA, QUE ENCANTA O PÚBLICO DA AREIA.

No Aeroporto de Jacarepaguá, a faixa anunciando a Revista Manchete está pronta para ser içada pelo monomotor

Se você já foi à praia na Cidade Maravilhosa e não viu no céu um aviãozinho monomotor passando com uma faixa presa à cauda, desculpe, mas não foi ao Rio de Janeiro. E não é exagero algum: tão tradicional quanto degustar mate com limão e biscoito Globo na praia, é olhar para o céu e descobrir qual vai ser a propaganda do dia no aviãozinho que passa. “Desde pequena, eu vejo a movimentação dos aviões. Tem dias que ele passa várias vezes, repetidamente”, diz Carolina Oliveira ao lado da amiga Késia Santos, duas moradoras da Zona Norte que vão à praia em Ipanema. “O avião passa na praia e aqui tem sempre gente de todo o Rio de Janeiro”, afirma Késia.

O que talvez pouca gente saiba é como funciona a logística para essa operação publicitária nas alturas. Mesmo quando as badaladas praias da Zona Sul carioca são o destino, tudo começa a mais de 20 km de Copacabana ou Ipanema: no Clube de Aeronáutica, na Barra da Tijuca. É no hangar número 3 que ficam as três aeronaves e o escritório da RIOARnoar, que faz publicidade aérea há mais de 30 anos. “A praia é a audiência mais democrática que existe. Todo mundo vai à praia. Por isso, você consegue falar com qualquer público”, conta Sérgio Alexandre, proprietário da empresa.

Por isso, a comunicação “nas alturas” se popularizou e até ficou mais acessível. “Sempre funciona, para qualquer situação, para qualquer orçamento”, afirma o empresário. Para quem está na outra ponta, o cliente, o aviãozinho faz o caixa levantar voo. “A gente investe em vários formatos de propaganda. Mas o aviãozinho é imediato: a gente anuncia e o público responde na churrascaria, na hora”, comemora Francisco Givanildo, gerente da churrascaria Tourão. E é exatamente assim que funciona. Podemos até estar pensando em feijoada, mas, se a sugestão de um bom churrasco aparece, tudo muda.

Enquanto isso, na praia, o barraqueiro Ricardo Antunes diz que já viu de tudo. Mas o que mais o impressionou foi uma denúncia de traição nos ares. “A mensagem dava um toque no cara no melhor estilo ‘fique de olho na sua namorada’. E ele estava aqui, na minha barraca na hora em que o avião passou”, conta, rindo alto. Mas em 99% das vezes é, de fato, publicidade. “De óticas, aplicativos de relacionamento, churrascaria até jogos e sorteios. Todos sabem o potencial de uma praia lotada”, completa Sérgio a respeito das empresas que contrataram os seus disputados voos. Em tempo: um fim de semana de verão no Rio de Janeiro garante público de aproximadamente 2 milhões de banhistas “do Leme ao Pontal”.

REVISTA MANCHETE
NAS ALTURAS

A reação das pessoas é fascinante: não tem quem não preste atenção quando o avião passa. Olhos vidrados no céu! Conversei com crianças, adolescentes e até idosos. Todos sabiam repetir o que tinham visto na faixa. Neste caso, a mensagem escolhida foi clara: “A Revista Manchete está de volta”. Missão cumprida: recado dado sobretudo quando o receptor está de “calças curtas”. Ou melhor: sem calça alguma!

Em um ambiente divertido e aprazível, a mensagem vira chiclete na cabeça. “Eu não sabia que a revista tinha voltado!”, diz o turista Alexandre Martins, de São Paulo, que ficou surpreso. Uma turista argentina fez cara de não entender muito quando expliquei o que foi a potência da Manchete nas décadas de 50 a 90. Mas os cariocas, sem exceção, já sabiam do que a faixa estava falando. “Era uma revista de renome e não era barata. Só as pessoas mais grã-finas liam”, diz o vendedor de mate e biscoito Globo, Isaías Santos, que do alto dos seus 24 anos não viveu essa época. Hoje, a história é outra. Com a digitalização dos conteúdos, a Revista Manchete também pode ser lida gratuitamente no site e nas redes sociais.

À medida que eu andava na areia, mais e mais pessoas notavam o microfone na minha mão, com o “M” da Manchete, e associavam à publicidade recém-vista na faixa. Estava explicado por que estávamos ali. A Revista Manchete está mais viva do que nunca, e o aviãozinho ajudou a divulgar isso. Testamos e comprovamos na prática: o bom aviãozinho da propaganda aérea ainda é uma estrela das praias cariocas.

A reação das pessoas é fascinante: não tem quem não preste atenção quando o avião passa. Olhos vidrados no céu!

“A praia é a audiência mais democrática que existe. Todo mundo vai à praia. Por isso, você consegue falar com qualquer público.”

Sérgio Alexandre, proprietário da RIOARnoar

MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL

A operação para colocar uma faixa amarrada ao monomotor para um voo não é simples. Ao contrário do que eu mesmo pensava, o aviãozinho não decola já com o faixa amarrada na traseira da aeronave. Desse jeito, a faixa seria destruída antes mesmo do voo, só pelo atrito dela com o chão enquanto o avião toma velocidade para decolar. Então, a estratégia é levantar voo primeiro e içar a faixa depois.
A decolagem no Clube de Aeronáutica é feita em uma pista gramada. Já em voo, o piloto segue para uma aproximação no Aeroporto de Jacarepaguá, que fica exatamente ao lado. Na pista asfaltada do aeroporto, é hora de posicionar a faixa no chão de um jeito que o piloto consiga “pescá-la”, sem tocar o trem de pouso no solo. Então, em um rasante sobre a pista, o piloto libera uma corda com um gancho de metal na ponta. Tudo muito parecido a um anzol. O trabalho de atenção e perícia é fazer esse gancho “pescar” o encaixe perfeito da faixa. É uma ação rápida e precisa.


Logo na Aprimeira tentativa, o piloto Lucas Rangel já consegue fisgar a faixa que sobe com o monomotor. “O avião é todo pensado, adaptado e registrado para voos de publicidade. Quanto menos peso na aeronave, melhor”, comenta Lucas. Exatamente por isso, a minha ideia de estar no avião durante o voo infelizmente não decolou. Para você assistir às imagens de como tudo isso acontece, minha sugestão é: na faixa abaixo, aponte a câmera do celular para o QR Code. A Revista Manchete também tem seu lado digital. Está tudo gravado lá!

“O avião é todo pensado, adaptado e registrado para voos de publicidade. Quanto menos peso na aeronave, melhor.”

Lucas Rangel, piloto

 

 

 

Fábio Ramalho é jornalista e publicitário, apaixonado por viagens e comportamento carioca, com mais de 30 anos de televisão.

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