Previdência Social e Novas Relações. A sociedade está em constante mudança, assim como a composição das famílias também está dinâmica, o que faz com que o Judiciário atualize o sistema de proteção social.
PREVIDÊNCIA SOCIAL E AS NOVAS RELAÇÕES FAMILIARES
Os direitos e deveres da família são regulamentados e revistos de forma a garantir ao segurado a certeza de que haverá algum tipo de proteção para seus dependentes em caso de sua falta ou de impossibilidade de sustento. Esse é o momento em que se entrelaçam o direito previdenciário e o direito de família, caminhando lado a lado em decisões judiciais. A sentença do juiz da Vara de Família vai ser usada junto à Previdência Social para que a pessoa em questão possa exercer seu direito de uma pensão por morte, por exemplo.
A Previdência fornece um conjunto de normas de proteção para a família do segurado que vai muito além de aposentadoria, mas ainda há dúvidas dentro desse campo jurídico e até mesmo questões que cabem interpretação sobre a aplicação da lei.
Há casos polêmicos que já foram parar até no Supremo Tribunal Federal (STF). Vamos esclarecer os tipos de provas que possam configurar vínculo familiar e os direitos dos dependentes de relacionamentos homoafetivos, de uniões estáveis ou ainda de padrastos e madrastas.
A ideia tradicional de família nuclear (pai, mãe e filhos) abre espaço para abraçar uma visão mais ampla e inclusiva, reconhecendo no campo jurídico a diversidade das relações familiares. A reforma do Código Civil propõe mudanças na forma de considerar e definir os herdeiros, buscando garantir uma justiça igualitária na partilha dos bens. As novas tecnologias, como a reprodução assistida, também impactam no direito de família, gerando adaptações na legislação e na jurisprudência.
Temas como união estável, pensão para gestantes e paternidade socioafetiva foram abordados no Seminário Família e Previdência – Ligações Jurídicas, que reuniu autoridades dos três poderes, empresários e estudantes de direito no auditório do Iate Clube, na Zona Sul do Rio, no mês de abril. A Revista Manchete esteve presente na cobertura desse evento por entender a importância do debate para a sociedade, e ainda aprofundou temas mais complexos em uma entrevista exclusiva com o presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), desembargador Jean Saadi, e o juiz federal e coordenador do Instituto Connect de Direito Social (ICDS), Fábio Souza. Os magistrados esclareceram as principais dúvidas e levantaram reflexões sobre a evolução da legislação brasileira perante as relações homoafetivas, monoparentais, união estável e outros modelos familiares.

As relações familiares sofreram profundas alterações nos últimos anos. O direito de família acompanhou essas transformações?
Sim, o direito de família vem se atualizando e incorporando as decisões judiciais na jurisprudência às novas configurações familiares. Há uma clara preocupação em se manter atualizado com as novas concepções de família, muito mais abertas e plurais.
Como o direito previdenciário acompanha essas alterações do direito de família?
O direito previdenciário também busca se atualizar e acompanhar as novas configurações familiares. Evidentemente, há um desafio adicional na Previdência, que é a questão financeira. Por um lado, é possível encontrar um equilíbrio entre a busca pelo reconhecimento dos direitos relacionados às novas estruturas familiares, e por outro, a preocupação com o equilíbrio atuarial e financeiro. O grande desafio do direito previdenciário brasileiro é encontrar esse ponto que possa equilibrar uma abertura para a proteção previdenciária dos diversos tipos familiares, mas seguindo as orientações previdenciárias no que tange também a aspectos financeiros e atuariais. A abertura do sistema previdenciário não pode significar um aumento de gastos não previstos, mas, por outro lado, não é possível deixar de tutelar as configurações familiares minoritárias.
Como ocorre a proteção previdenciária da união estável?
A união estável é integralmente protegida no direito previdenciário. Companheiros e companheiras recebem o mesmo tratamento de cônjuges. É preciso apenas notar a necessidade de comprovação da existência dessa união. Muitas vezes, o desafio de alguém que pleiteia uma pensão por morte é conseguir provar que existia essa união estável com o segurado falecido. Atualmente, a lei exige que isso ocorra por meio de uma prova material, e isso significa que não é possível usar uma prova exclusivamente testemunhal. A testemunha pode até ser ouvida, mas sempre a base deve ser uma prova material dessa união, como: declaração de Imposto de Renda – em que um conste como dependente do outro –, seguro de vida, comprovantes de residência em nome de ambos com o mesmo endereço, conta bancária conjunta, cartão de crédito com dependência mútua, etc.
O amante tem direito à pensão por morte?
Essa questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Evidentemente, não se trata de um caso pontual fora do casamento, mas esse contexto não tem previsão legal de cobertura previdenciária. O que se questiona é a existência de uma família paralela, com uma união pública, contínua, duradoura, com a intenção de constituir família, porém, tendo como uma das partes alguém que é casado e que mantém o seu casamento. Se a pessoa está separada, não há problema algum em constituir uma nova união estável. Entretanto, se ela mantém o seu casamento e, em paralelo, constitui um novo relacionamento, essa união não tem proteção nem no direito de família, nem no direito previdenciário. O caso que o Supremo julgou deixou isso muito claro ao reconhecer um dever constitucional de fidelidade. Segundo o STF, a proteção do concubinato dessa união paralela ao casamento contrariaria a norma legal e, por isso, não seria possível proteger as uniões paralelas ao casamento, quando essa sociedade conjugal ainda é existente.
As uniões homoafetivas recebem o mesmo grau de proteção das uniões heteroafetivas?
Sim.
Atualmente, tanto o direito previdenciário quanto o direito de família protegem e reconhecem as uniões homoafetivas da mesma forma que as uniões heteroafetivas. No passado, o direito previdenciário assumiu a vanguarda dessa questão, sendo o primeiro ramo do direito a reconhecer a união homoafetiva. Posteriormente, o direito de família evoluiu para também estender a proteção para as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, atualmente, podemos dizer que existe uma igualdade no reconhecimento das uniões hetero e homoafetivas.
Pode detalhar o direito à pensão por morte para os filhos?
Sim. A pensão por morte é devida aos filhos em três condições: aos filhos menores de 21 anos, aos filhos inválidos e aos filhos com deficiência mental, intelectual ou deficiência grave. Sobre cada um deles há alguns detalhes. Aos menores de 21 anos, não é prorrogada em razão de estudo, mesmo que o filho esteja cursando nível superior. Sua condição de dependente não é prorrogada além dos 21 anos no regime geral de Previdência Social do INSS. O filho inválido é aquele que não pode trabalhar, desde que não se exija aqui uma situação que é necessária a interdição da pessoa. A invalidez é avaliada por meio de perícia médica do INSS para a constatação da impossibilidade de condição de trabalho. O filho inválido continua a ser dependente do segurado. O filho com deficiência é uma situação muitas vezes desconhecida pela maioria das pessoas e até mesmo pela a própria Previdência, que chega a falhar na proteção. A lei coloca o filho com deficiência como um titular do direito à pensão por morte e, evidentemente, é preciso estabelecer a diferença entre deficiência e invalidez. É perfeitamente possível que o filho tenha deficiência e seja válido. E ainda que ele consiga trabalhar, vai ter direito à pensão, porque, no caso, o que está garantindo o reconhecimento da sua condição de dependente não é a invalidez, mas sim a deficiência.
O conhecimento e o respeito pelas leis são fundamentais para o exercício da cidadania e para a construção de uma sociedade mais organizada, respeitosa e igualmente assistida. A participação popular consciente, com representatividade dentro da esfera jurídica, faz com que o direito, calcado em sua essência de valores sob as diretrizes da Carta Magna, esteja vivo e flexível dentro das necessidades da sociedade.
Sérgio Maciel é empresário especializado em relações institucionais e governamentais.