Tradições do Rio

“Olha o Globo!”
Doce ou salgado, freguesa?

Ele é “coroa”, quase setenta anos de praia, mas tem vitalidade para percorrer todas as areias do Rio de Janeiro diariamente. Do Leme ao Pontal, o famoso da terceira idade é anunciado aos quatro ventos:

A embalagem icônica, de 1975, até hoje estampa pontos turísticos de todo o mundo. Prova de que o biscoito de polvilho já tinha pretensões globais desde que “cariocou”

Apesar de ser tão a cara do Rio de Janeiro, a notícia pode surpreender: o Biscoito Globo não é uma criação carioca. A história começa em 1953 quando três irmãos, Milton, João e Jaime Ponce, fizeram a primeira fornada dos biscoitos em São Paulo. A receita já era a que conhecemos hoje, mas, quanto às vendas, no início foi difícil. Eles chegaram a vender nas ruas do Ipiranga, mas o biscoitinho — e não bolacha — simplesmente não decolava. Foi quando o trouxeram, alguns anos depois, para vender em um congresso eucarístico no Rio de Janeiro. A surpresa? Não sobrou um pacote do abençoado! E, se o biscoito caiu nas graças do carioca, por que não montar a fábrica aqui?

Popular, sim, mas também sofisticado! É isso mesmo: o Globo frequenta, inclusive, ambientes refrigerados, como lojas de aeroportos e cafeterias chiques

Há divergências sobre o ano em que o Biscoito Globo “nasceu” de fato. Se contarmos as tentativas de venda na terra da garoa, serão facilmente mais de 70 anos. O Biscoito Globo ganhou essa marca quando começou a ser feito no Rio, em uma panificadora chamada Globo, que lhe rendeu o nome. Foi aí a grande virada rumo ao sucesso. Hoje, o Biscoito Globo é produzido pela Panificação Mandarino e, apesar de ser um simples biscoito de polvilho, a receita oficial nunca foi revelada.

Colorido sob o sol de 40 graus, Leonardo chama a atenção da clientela

O biscoito não é só comida de praia. Indiretamente, ele alimenta famílias que tiram desses saquinhos de papel celofane cheios de “bixcoito” o seu sustento familiar. Rafael Fernandes, 32 anos, é vendedor e faz a conta rápido: compra todos os dias cerca de 100 saquinhos para revender, direto na fábrica, no centro do Rio. Ele investe 400 reais e volta para casa com o dobro. “Lucro de 100%”, diz o vendedor, ligeiro para fazer mais vendas.

Da mesma forma que é vendido nas praias cariocas, o biscoito é a salvação de quem está preso no engarrafamento com fome. Ambulantes levantam o saquinho entre os carros e logo os vidros se abaixam para o motorista comprar. Popular, sim, mas também sofisticado! É isso mesmo: o Globo frequenta, inclusive, ambientes refrigerados, como lojas de aeroportos e cafeterias chiques.

O colunista Fábio Ramalho com a dupla campeã de vendas da praia

Depois dessa viagem no “Globo” para entender tudo sobre esse famoso biscoito, o clichê que você já estava esperando: com ele, nada melhor que o mate tradicionalíssimo também nas praias cariocas. Eu preciso terminar este texto fazendo um brinde que você verá no vídeo pelo QR Code abaixo: a dupla Biscoito Globo e Mate Leão foi reconhecida como patrimônio cultural carioca em 2012.

A fábrica do biscoito mais famoso do Rio

Polvilho, ovos, leite, gordura e nada de fermento. A máquina mexe a massa até dar o ponto. Os grandes tabuleiros são desenhados com rosquinhas alvas, que ganham volume e crocância após 15 minutinhos, em média, no forno. Aquela receitinha tradicional é fabricada hoje em larga escala. Um processo industrial, mas que ainda preserva características caseiras.

Com o aumento da demanda, a parte de empacotamento teve que se modernizar. Os saquinhos de papel, antes embalados à mão, passaram a ser lacrados por máquina. Com a estampa do Pão de Açúcar, das torres Eiffel, de Pisa e de Belém, a clássica embalagem já é o próprio marketing da marca.

Os mais novos aprendem com os funcionários antigos, que há décadas batem ponto na discreta fábrica do Globo, atualmente localizada rua do Senado, no Centro do Rio de Janeiro. Na porta, fila de ambulantes para comprar os fardos do biscoito que, indiretamente sustenta muitas famílias e é a cara do Rio.