Mureta da Urca: O ponto de encontro carioca
Que tal tomar um chope em uma experiência imersiva, com a garantia de que será algo exclusivamente carioca? Nesse bar a céu aberto, que você vai desvendar nas próximas páginas, não tem mesas, cadeiras, nem garçom, muito menos ar-condicionado. Mas relaxa, porque a brisa no rosto compensa. Seja muito bem-vindo à tradicionalíssima mureta da Urca, na Zona Sul do Rio!
“É a minha primeira vez no Rio de Janeiro e me disseram que, se eu não viesse à mureta da Urca tomar um chope, era o mesmo que não ter vindo à Cidade Maravilhosa”, disse Yuri Nobre, um turista do Ceará que mora em São Paulo, mas que deixou o coração no Rio. Foi paixão à primeira vista. Agora ele já planeja trocar de CEP: quer ter a experiência de morar na Cidade Maravilhosa.
Apesar de a mureta da Urca ter quase 1 km de extensão, com bares e restaurantes ao longo dela, o carioca tem lá suas predileções e elegeu o ponto de concentração. O Bar Urca é, definitivamente, o local disputado, com uma mureta privilegiada, de onde se vê o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. São finais de tarde de céu alaranjado que surpreendem quem senta nessa mureta.
A dinâmica é essa: você vai até o balcão, pede o chope e já dá um gole. Ali mesmo, na hora, para não derramar no caminho! Vale escolher também um petisco. Empada de frango, pastel de camarão ou bolinho de bacalhau – o que já dá spoiller de onde veio a família que introduziu tudo isso ao cardápio. Depois, é só atravessar a rua, que felizmente não tem tanto movimento, e se sentar ali, na mureta debruçada sobre a Enseada de Botafogo. Isso mesmo: você se senta na pedra e ainda acha maravilhoso. Sabe por quê? Porque o momento “uau” toma conta dos seus olhos, da sua mente e pronto, a mureta vira o sofá mais confortável para a alma.
“Eu sempre vou na empada. Acho que tem tudo a ver com chope e vista da mureta”
disse a carioca Isabela Guimarães, que frequenta o Bar Urca desde criança, ainda levada pelos pais. Psicóloga, ela tem a resposta na ponta da língua quando perguntada sobre o “ritual” de beber na mureta: “É democrático. Todos são iguais quando sentam aqui. Mesa e cadeira? Só se for lá dentro!”, diz ela, sorrindo.
O “lá dentro” a que ela se refere é o segundo andar do Bar Urca, onde fica o restaurante. Por uma escada estreita, em um prédio histórico, você chega a um dos poucos estabelecimentos do Rio que é patrimônio cultural, histórico e turístico do Rio de Janeiro. Repare que o “cultural” vem antes mesmo do “turístico” no título dado pelo governo do estado, que chancela locais tradicionais do Rio. E seria uma covardia não falar do bobó de camarão, que faz valer cada degrau que se sobe.
Podem até existir outros restaurantes e bares na Urca ao longo da mureta, construída na década de 1930, mas foi no trecho em frente ao Bar Urca que a tradição se perpetuou.
Quem vive essa experiência sai extasiado. Ao contrário do pôr do sol no Arpoador, aqui ninguém bate palmas. Talvez porque, quase sempre, as mãos estejam ocupadas nessa mureta, seja com um chope, seja com uma das delícias que a gente nem tenta resistir. Faltam mãos, mas sobram sorrisos. A mureta é de pedra, mas amolece o coração da gente. Quer conferir? Assista ao vídeo da matéria!
FAMÍLIA GOMES, ORA POIS!

Apesar da alma portuguesa, o Bar Urca começou com alemães, que fundaram a casa nos idos de 1939. O local chegou a sofrer represálias na época da Segunda Guerra Mundial. Mas foi em 1972 que o bar ganhou alma portuguesa, passando para as mãos da família Gomes. O patriarca, Armando Gomes, fez a casa ganhar o estrelato que cada um dos seus petiscos e pratos merecia. A partir daí, o gerenciamento familiar veio em um “efeito dominó”, feito por filhos dos filhos, que segue até hoje. Após ‘seu’ Armando – já falecido e com homenagens por toda a casa –, quem assumiu foi Armando Gomes Filho, hoje com 75 anos. A geração seguinte, adivinhe? Armando Gomes Neto e seu irmão, Rodrigo Gomes. Há quem garanta que, apesar dos mais jovens estarem no comando, ‘seu’ Armando – da geração do meio – mandou instalar uma extensão da linha telefônica do bar em seu apartamento, que fica logo acima, no mesmo edifício. Para falar com o dono, basta discar o ramal 25.
A EMPADA DE QUATRO CAMARÕES

É exatamente isso, uma fartura só! Quatro camarões, nada mais, nada menos. Então abra bem a boca e saboreie com calma. Certa vez, este colunista aqui se aventurou a quebrar a regra e adicionou mais dois singelos camarões na empada. Nem é preciso dizer que não deu muito certo. A empada ficou com recheio demais, rachou, transbordou e queimou as bordas. Não tinha como um aventureiro inexperiente competir com a técnica cirúrgica de fazer empadas há mais de 50 anos. Ficou o aprendizado: perfeição não mora ao lado do exagero, é vizinha do equilíbrio.
GERAÇÃO Z
A mureta da Urca é para todos os públicos, para todos os gostos e para todas as idades. Mas é inegável que o local tem sido procurado também por muitos jovens. A geração Z, que prefere eventos diurnos, culturais e que acabem mais cedo, está se encontrando cada vez mais por ali. E muitos chegam pelas redes de internet. A social-media cearense Nathalia Régia é carioca de alma. É ela quem está à frente do Instagram da casa, que conversa exatamente com esse público. Os garçons e colaboradores – alguns com mais de 20 anos de casa – entraram na onda dos vídeos rápidos das redes sociais. Bem dirigidos, produzem pérolas que viram meme rápido. Por exemplo, ‘seu’ Humberto Martins – que já se aposentou e voltou para o restaurante –, aos 66 anos, contabiliza quase meio milhão de visualizações em uma publicação feita no perfil do estabelecimento. É hilário assisti-lo tentando se expressar como a geração Z faz. Visite o perfil do Bar Urca (@barurca) para conferir.
Fábio Ramalho é jornalista e publicitário, apaixonado por viagens e comportamento carioca, com mais de 30 anos de televisão.