Celebridades

MILTON CUNHA:
É pólvora, propagador da cultura popular e
pensador com estilo único

Em uma tarde quente, típica do verão carioca, reluz o brilho das fantasias, ecoa em grito forte e exaltado o samba enredo da escola e extravasa a energia pulsante do povo que faz o carnaval acontecer. Um ambiente que pode até ser chamado de habitat para quem vive dele e descreve como ninguém o carnaval carioca.

Considerado a figura mais emblemática da maior festa popular brasileira, Milton Cunha esbanja carisma e conhecimento em seus comentários para a televisão. E entre uma entrada ao vivo e outra, ele retribui o carinho do público, dança, chacoalha as plumas e para tudo em atenção à Revista Manchete.

Naquela conversa rápida antes de iniciar a entrevista, percebo sutilmente que tinha algo de errado e perguntei ao Milton se ele estava bem. Com um suspiro profundo, ele mudou o semblante, resgatou o seu mais largo sorriso fazendo reluzir seus olhos verdes no tom da sua fantasia e me disse que estava pronto para gravar. Ali eu vi que ele realmente consegue se condicionar para transformar a energia e colocar em prática os seus próprios conselhos.

O que muito explica também a forma como encarou e ressignificou a sua própria história, inicialmente marcada por fome, abuso sexual por parte do seu próprio pai e rejeição da família por conta da sua sexualidade. De onde vem essa força que o impulsionou ao outro extremo da vida com tamanha resignação?

“Nossa, eu sou felicíssimo porque eu fiz da minha vida tudo que eu queria. Eu projetei estar aqui sentado neste palco, dando esta entrevista, porque eu queria a comunicação, eu queria o microfone, a possibilidade de falar da arte. Então, passei fome, lutei, peguei pau de arara. Não importa, eu estava edificando a minha individualidade, o meu futuro. Então, chegando aqui, estou confortável, belíssimo na minha pele.”

Além de comentarista do carnaval brasileiro, Milton Cunha também é psicólogo e cursa o terceiro pós-doutorado, aprofundando cada vez mais suas pesquisas científicas sobre a estrutura narrativa das escolas de samba e da cultura brasileira. A paixão pela arte popular e pela simbologia dos adereços o acompanha desde sempre.

“Eu adoro enfeites. Quando criança, eu amava botar flor na cabeça, usar cores extravagantes, a minha alma é enfeitada. Então, eu sou aquela criança esquisita, muito pintosa, muito boneca e tal. Eu cresço, vou pro teatro – isso me possibilita o brilho e a luz que eu adoro. Quando eu chego ao Rio para trabalhar com diversão, entretenimento, moda, aí a estampa entra na minha vida e nunca mais sai.”

Ele se intitula o “Rei da Folia”, diz que adora um “ziriguidum”, uma “fuzarca”, mas também carrega o peso e a responsabilidade de ser o porta-voz da maior vitrine cultural que o Brasil tem perante o mundo. O desfile das escolas de samba recebe celebridades, autoridades e turistas internacionais, além de ter se tornado patrimônio artístico copiado em Londres, no Japão e na Suíça. E a essência desse carnaval made in Brazil qual é?

“É a nossa gente! Eles têm o talento, são as verdadeiras estrelas. Quando você coloca um tema enredo, eles sabem compor, cantar e dançar com suingue. É uma forma deles ocuparem a Marquês de Sapucaí, e dizer: ‘Olha, nós não produzimos só notícia ruim, a gente produz arte, a gente tem beleza e sabe fazer o carnaval.’ Aí os gringos apontam para a nossa saúde precária, para os barracos, para o trem lotado e o povo explica: ‘A gente não faz carnaval porque a vida é boa, mas porque a vida tem que melhorar.’ Tem que subir e descer o morro do Rio de Janeiro para entender.

Rico, pobre, gordo, magro, todos cantando juntos, exibindo as mais diversas formas de expressão artística, resultado de um ano de trabalho, entregando o melhor em uma festa democrática que tem sempre um vencedor certo: o povo brasileiro.

“É isso. O guarda-chuva das escolas nivela os 5 mil. Se o empurrador de carro não empurra, a senhora dona de banco riquíssima, não vai desfilar. Então, esse modelo democrático é um momento de patriotismo. Imagina se o Brasil se junta e faz valer a nossa bandeira? Imagina!”

As pessoas se reunem ao redor da entrevista, acenam com a cabeça em sinal de concordância e o aguardam ansiosas por um abraço e uma selfie. Eu me despeço, agradecendo por essa conversa inspiradora.

“Quantas páginas e capas da Revista Manchete eu tenho guardadas, porque a gente via o mundo através da Manchete. Então, que bom, desejo sucesso, anos de glória! É um orgulho para o povo brasileiro ter a Manchete de volta!”