
CAMILA FARANI: O DESPONTAR DE UMA CARIOCA NO CENÁRIO DO EMPREENDEDORISMO
“EU SOU EMPREENDEDORA E A ALMA INQUIETA É MUITO LATENTE EM MIM. ENTÃO, PRECISEI EQUILIBRAR ISSO: A IMAGEM PÚBLICA VERSUS A ESSÊNCIA DA EMPREENDEDORA. O QUE MUDOU NÃO FOI SÓ A MINHA AGENDA, MAS TAMBÉM A CONSCIÊNCIA DO IMPACTO QUE MINHA FALA E MEUS MOVIMENTOS GERAM NO ECOSSISTEMA EMPREENDEDOR BRASILEIRO. E EU NUNCA FUJO DESSA RESPONSABILIDADE. MUITO PELO CONTRÁRIO, SERVE COMO UMA MÁQUINA PROPULSORA.”
Reconhecida com vários títulos importantes que a classificam como uma mulher de destaque no âmbito empresarial, Camila Farani garante: a vida nunca entrega a conta na mesa errada. Resultado de muita dedicação e estratégias em cada etapa da escalada, o patamar atual tem uma longa história, compartilhada pela influenciadora nesta entrevista. Advogada, com pós-graduação em marketing e especializações em growth, tecnologia e startups em Stanford, MIT e Babson College, Camila se tornou um fenômeno do empoderamento feminino. Presidente da G2 Capital, boutique de investimento em tecnologia, foi eleita uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea e uma das 100 maiores em inovação do Brasil pela Época Negócios. Sua experiência a levou a mergulhar em águas profundas por seis temporadas no Shark Tank Brasil – o game show dos empreendedores. Já aportou mais de R$ 42 milhões com coinvestidores, pools de investimentos, além da sua própria holding, abrangendo cerca de 50 empresas. Resultado disso? Uma movimentação financeira de mais de R$ 6,3 bilhões por ano, gerando emprego para mais de 15 mil pessoas. Camila conecta-se com facilidade com seus seguidores, alcançando mais de 2 milhões de pessoas diariamente, além de inspirar lideranças femininas na comunidade @ela.vence.

Camila, qual foi a repercussão na sua vida pessoal e profissional com a participação no reality show Shark Tank Brasil e os bastidores na hora de realizar um bom negócio no programa? Comente também sobre o episódio em que você se emocionou muito com uma moça chamada Jozi, que buscava investimento para uma fábrica de bonecas negras. Como foi essa experiência?
Sim, eu estive no Shark Tank Brasil desde a primeira temporada, e foi um projeto montado pela emissora Sony, inspirado no formato americano que já fazia muito sucesso. Nós, os primeiros tubarões, não nos conhecíamos profundamente antes do programa, mas tínhamos algo em comum: éramos todos empreendedores com fome de oportunidade e uma disposição quase visceral para correr riscos calculados. O que pouca gente vê é que ali não estamos só para investir dinheiro, estamos colocando nossa reputação, nosso tempo e nossa energia em jogo. Isso exige um filtro muito afiado, porque, no final das contas, não existe dinheiro barato, nem para quem investe, nem para quem recebe.
Os bastidores são, sim, surpreendentes, mas não são caóticos. Existe uma preparação, claro, mas as negociações são reais. Não tem roteiro dizendo “Camila, você deve chorar aqui” ou “Agora o fulano vai brigar”. Quando avalio uma oportunidade, olho muito para o empreendedor tanto quanto para o produto. Vejo resiliência, clareza de propósito, capacidade de execução e também os números, claro. Pergunto sempre: essa pessoa vai aguentar os dias ruins? Porque dias ruins virão. A matemática do negócio é importante, mas sem gente que entrega, é só um PowerPoint bonito.
Sobre a Jozi, aquele foi um momento que mexeu muito comigo porque eu vi nela não só uma empreendedora, mas uma mulher quebrando padrões em várias camadas: raça, gênero, mercado. Ela não queria só vender bonecas negras; ela queria resgatar autoestima, queria representar meninas que nunca tinham se visto nas prateleiras. Isso é potente. Eu investi ali não só pelo negócio, mas pela causa, pelo impacto. E esse tipo de negócio tem um sabor diferente porque você sente que está mudando narrativas, não apenas multiplicando cifras.
Eu amo falar sobre o impacto do Shark Tank na minha vida, porque ele se tornou uma vitrine que ampliou minha voz, mas também aumentou minhas responsabilidades. A superexposição trouxe novas oportunidades, mas também exigiu que eu colocasse limites claros. Eu sempre fui alguém que gosta de estar no front, de negociar olho no olho, de ir para o campo de batalha, não só de dar entrevista bonita.
Existe um ditado que diz que os melhores generais são aqueles que já foram soldados, e olhando um pouco da sua trajetória, você já teve um negócio pequeno, certo? Como foi essa experiência da montagem da sua primeira loja? Esse desafio, de alguma forma, ajudou a ser um tubarão melhor?
Eu acredito profundamente nisso: você não lidera direito se nunca teve que ralar no chão da fábrica. E, no meu caso, comecei literalmente do pequeno, na cafeteria da minha mãe. Eu não herdei uma rede pronta, nem entrei em um negócio já consolidado. Sim, eu comecei fazendo tudo e isso foi fundamental para me tornar uma boa investidora. Minha primeira experiência foi ajudando minha mãe na Tabaco Café, nossa charutaria e cafeteria. Eu não entrei pronta: eu lavava xícara, atendia no balcão, fazia caixa, lidava com cliente difícil, e, aos poucos, fui percebendo que não bastava operar, eu precisava entender sobre gestão, marketing, produto, cliente, tudo. Aos 20 anos, criei um cardápio de cafés gelados para tentar aumentar o faturamento; combinei com minha mãe que, se batesse a meta, teria uma fatia da sociedade. Não bati os 30%, cheguei a 28%, mas ganhei minha parte porque fui lá e executei, mesmo contrariando a todos.
Foi quando entendi que poderia expandir ficando no operacional e profundamente acredito que viver 20 anos de varejo te dá mais estofo do que meramente ser um planejador. Então, veio a Tabaco Café em mais três pontos diferentes junto com a nova marca, a Farani Caffè, em mais três operações – um braço para coffee breaks em empresas e o café em grão Farani Caffè.
Essa experiência foi um divisor de águas porque me ensinou algo que carrego até hoje no Shark Tank: não adianta ter só ideia, não adianta ter só discurso, você precisa ter coragem de aprender no chão do negócio. Ouvir pessoas, lidar com tributação, fiscalização, colaboradores, testar, corrigir e seguir.

Depois da pequena loja, qual foi o desdobramento da sua carreira? Como esse exemplo te permitiu subir o próximo degrau?
Depois da minha experiência na charutaria com a minha mãe, os próximos degraus vieram aos poucos e de forma desalinhada ao longo da minha trajetória. Um deles foi entender que, se eu quisesse crescer, não bastava ser apenas “a filha que ajuda” ou a jovem que improvisa soluções. Eu precisava me transformar em uma estrategista, em alguém capaz de liderar negócios que funcionassem sem depender da minha presença o tempo inteiro. Essa virada não foi linear, nem fácil. Minha inquietação me levou a criar novos negócios, como o Farani Fresh Food, que começou mal e eu estava à beira de quebrar. Achava que sabia tudo aos 26 anos. Exigiu de mim reposicionamento e me ensinou duramente o valor de ouvir o cliente e corrigir a rota rapidamente. Eu aprendi que não adianta ter uma ideia brilhante se o mercado não entende ou não quer.
Essas tentativas e erros me prepararam para algo maior: minha entrada no mundo do investimento-anjo. Eu percebi que não queria apenas tocar operações, eu queria multiplicar impacto. Ser sócia da Mundo Verde foi um grande salto e mais um degrau alcançado porque me expôs a um ambiente muito mais estruturado, em que precisei aprender a lidar com métricas, investidores e expectativas muito maiores. O recado que eu deixo é simples: você não sobe porque alguém te puxa pela mão ou porque deu “sorte” no caminho.
Você sobe porque tem a coragem brutal de encarar o que não está funcionando, de questionar suas próprias certezas, de recalibrar a visão sempre que necessário e, acima de tudo, porque alimenta um apetite constante por crescer não em tamanho, ego ou vaidade, mas em capacidade real, em competência, em impacto. Foi essa inquietação crônica que me trouxe até aqui, posicionada dentro de um ecossistema que movimenta mais de R$ 7,2 bilhões e emprega mais de 12 mil pessoas , e é essa mesma inquietação que continua guiando cada decisão e cada passo que eu dou. Para mim, é exatamente isso o que me mantém em movimento.
Quando aconteceu a virada, o momento em que você mudou o lado da mesa, deixando de atender no balcão e passando a orientar as pessoas sobre essa posição?
Isso ficou claro quando eu me vi criando estratégias para aumentar o faturamento, para reposicionar marca, para pensar não só no produto, mas no negócio como um todo. Foi difícil.
Porém, nessa fase, por volta dos meus 20 e poucos anos, depois de ter aberto o Farani Fresh Food e ter enfrentado fracassos duros, foi quando caiu a ficha: eu queria ajudar a construir negócios que crescessem, que tivessem consistência, que não dependessem de uma única pessoa para funcionar.
A entrada como sócia no Mundo Verde foi um divisor, porque ali eu passei a olhar para estratégias de escala, para expansão, para números que iam muito além do micro. Mas o grande marco foi quando voltei para os meus negócios e percebi que, mais do que abrir novas lojas, eu queria criar um ecossistema.
Foi aí que nasceu o Grupo Boxx, logo depois eu entrei no Gávea Angels e me apaixonei literalmente. Entendi que não queria ser apenas gestora do meu negócio próprio, e sim aportar em outros.
Como funciona a G2 CAPITAL? Você acredita que já está consolidada ou ainda tem margem de crescimento?
A G2 Capital nasceu para preencher uma lacuna clara que eu enxergava no mercado: a falta de um investimento-anjo mais estratégico, mais profissional, que fosse além do simples cheque. Quando eu criei a G2, a ideia era reunir investidores experientes, que entendessem não só de aporte financeiro, mas que pudessem entrar nos negócios trazendo rede, conhecimento e musculatura de gestão. O modelo é muito diferente de um fundo tradicional, ou seja, a gente atua como uma boutique de investimento-anjo, com alta seletividade e atenção personalizada.
A pergunta sobre estar consolidada é muito boa. Eu diria que estamos em uma fase madura, mas eu jamais diria “acabou”. Se tem algo que eu aprendi na vida é que nenhum negócio está totalmente consolidado. Todo negócio relevante precisa estar em permanente evolução. Temos, sim, margem para crescer, principalmente em setores que não são exclusivamente digitais.
Dentro do amplo espectro de uma mulher de negócios, nós já falamos aqui de rede de lojas, do período como executiva, apresentadora de programa, de uma empresa de investimentos em startups, mas essa inquietude certamente te leva para muitos outros desafios de investimentos e negócios. Hoje seu coração parece estar bem conectado ao mundo da educação, certo? Fale um pouco sobre a Farani Escola de Negócios (FEN).
Você acertou em cheio: hoje meu coração está muito conectado à educação. Na verdade, sempre esteve, mas hoje fica muito claro. A Farani Escola de Negócios nasceu justamente dessa inquietude crônica que me acompanha desde sempre, da percepção de que não adianta eu investir em negócios se eu não ajudar a formar empreendedores melhores. Eu cansei de ver gente com potencial enorme quebrando porque não tinha as ferramentas certas, porque não entendia de gestão, porque faltava clareza estratégica. E foi aí que eu entendi: se eu quero impactar o ecossistema, preciso ajudar a preparar essas pessoas antes que elas cheguem no “campo de batalha”.
A FEN é uma plataforma de educação que vai direto ao ponto. Não é MBA, não é conteúdo teórico jogado na cabeça das pessoas. É aprendizado prático, alinhado com o que o mercado realmente exige hoje. A gente trabalha com programas educacionais que ajudam empreendedores a desenvolver visão estratégica, inteligência emocional, capacidade de execução e, principalmente, mentalidade de crescimento em menos tempo. É o nanodegree. Modalidades intensivas de negociação, vendas digitais, bootcamps de criação de startups e o Programa de Crescimento Guiado (PCG) sobre gestão de pequenas e médias empresas.
E para você ter uma ideia de como estamos comprometidos com essa transformação, vou te contar algo inédito que aconteceu no nosso Bootcamp FEN: pela primeira vez, eu fiz um investimento ao vivo em uma aluna da Farani Escola de Negócios. A fundadora Michelle Milhomem, da Womb Yoga Brasil, apresentou sua proposta pedindo R$ 100 mil por 40% da empresa, e eu fiz uma contraproposta: ofereci o investimento em cinco parcelas de R$ 20 mil por 30%, sugerindo ainda que a metodologia fosse exclusiva do Womb Yoga Brasil, com uma conexão direta com o “Ela Vence”, para impactar o maior número possível de mulheres. Esse momento não foi só emocionante, ele reforçou o propósito central da FEN: não estamos aqui apenas para ensinar, estamos aqui para gerar oportunidades concretas e ajudar empreendedores a saírem do aprendizado direto para a prática, com resultados palpáveis.
Como funciona o Projeto Ela Vence?
A comunidade Ela Vence é uma iniciativa que nasceu para capacitar, inspirar e acelerar mulheres empreendedoras que querem jogar o jogo grande, mas de forma estruturada, consciente e poderosa. Eu sempre acreditei que, apesar de termos um enorme potencial feminino no Brasil, muitas mulheres ainda esbarram em falta de acesso, confiança ou direcionamento estratégico para transformar seus negócios em empresas sólidas e escaláveis. O projetou transbordou transformação, que se transformou na comunidade Ela Vence. Veio exatamente para preencher essa lacuna, oferecendo conteúdo prático, rede de apoio, mentorias e ferramentas que realmente fazem diferença na jornada empreendedora.
A comunidade combina educação e conexão: não é só sobre ensinar, é sobre criar uma rede que impulsione essas mulheres, que lhes dê voz, espaço e musculatura para negociar melhor, acessar investimentos e construir empresas que gerem impacto. Eu não acredito em capacitação rasa, daquele tipo que fica no discurso motivacional. Ela Vence entrega estratégia, mentalidade de crescimento, preparação financeira e, principalmente, uma visão clara do que significa liderar um negócio em um mercado competitivo. São mais de 650 mil mulheres impactadas.
Para encerrar, o que tira a Farani da cama hoje? É o mover de todas essas frentes ou ainda tem algum projeto aguardando uma sobra de tempo?
Ser mãe e mudar a vida de pessoas pelo empreendedorismo. O que me tira da cama hoje não é a certeza de que ainda há muito por fazer. Cada projeto que eu toco, seja na Farani Escola, no Ela Vence, na G2 Capital, nos investimentos e agora no maior canal de negócios da TV, o Times Brasil, licenciado exclusivo CNBC, tem um propósito claro: gerar impacto real, transformar negócios e pessoas. Eu não espero “sobrar tempo” para começar algo novo. Eu organizo minha energia para caber mais impacto no que eu já faço e para abrir espaço quando surge uma oportunidade que vale a pena. O que me move é ver empreendedor ganhando musculatura, mulher ganhando espaço, empresa deixando de ser só promessa e virando entrega concreta. Eu acordo todos os dias com a sensação de que o jogo nunca está ganho e isso, para mim, é combustível puro. Porque eu não vim para repetir o que já existe, eu vim para fazer barulho onde ainda falta movimento. Mas, no fim do dia, eu sou a Camila de Vila Isabel que ama arroz e feijão, ficar com meus quatro cachorros, meus amigos leais e minha família.
Marcos Salles é jornalista e presidente da Revista Manchete