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Pedágio
Uma taxa desequilibrada

Algum tempo atrás não existia pedágios e nossas estradas eram bem ruins, passamos por um período do selo pedágio que se mostrou ineficiente tanto na arrecadação como na utilização da verba e chegamos ao formato atual da cobrança da taxa de pedágios, em praças fixas instaladas ao longo das rodovias.

A tarifa de pedágio é uma cobrança que ocorre no mundo todo e aqui no Brasil essa prática é permitida por Constituição, desde que haja manutenção e conservação das estradas, além de oferecer aos usuários serviços como: sinalização, atendimento médico de urgência, transporte por guincho, pontos de descanso seguros, entre outros benefícios.

A Revista Manchete fez um levantamento nas principais rodovias que saem da capital do Rio de Janeiro em direção ao interior do estado. Comparou preços, ouviu um especialista com vasta experiência em logística e solicitou explicações às principais concessionárias sobre esse tema que impacta no custo do transporte de lazer e com finalidade comercial.

Pedágio na Linha Amarela administrada pela empresa LAMsA desde 1997

O levantamento aponta para uma situação em que o valor do quilômetro rodado nas praças de pedágios mais próximas à capital é bem maior do que a média do percurso, caso o usuário utilize todo o trecho da rodovia. Em um raio de 60 km para sair do Rio, o preço médio do quilômetro chega a R$ 0,79 centavos, enquanto que se o usuário utilizar o trecho inteiro da rodovia, o valor cai para apenas R$ 0,23 o km.

Além dessa distorção, existem outras questões como preços que aumentam somente nos fins de semana. Segundo o especialista em logística Delmo Pinho, existem motivos para essas situações, entre os quais, o sistema de praças fixas, que foram inicialmente construídas distantes do início das rodovias. Como na maioria das vezes 70% dos veículos trafegam nas extremidades, onde se concentra a maior infraestrutura da concessionária e não existe cobrança, o motorista que passa da primeira praça de pedágio acaba pagando proporcionalmente a mais do que os demais usuários. Outros problemas citados pelo engenheiro foram contratos antigos, insegurança jurídica, elevado investimento no período das construções com baixo número de veículos em dias úteis.

A cobrança de pedágio no exterior já avançou para um modelo mais justo. O sistema Free Flow, já instalado e aprovado no Brasil, lá fora funciona com a finalidade de gerar a cobrança ideal. Uma antena capta o sinal do veículo quando entra na rodovia principal e uma outra quando retorna à via lateral, com isso, calcula o trecho do deslocamento e gera a cobrança proporcional aos quilômetros rodados. Chegaremos lá?

O QUE É O PEDÁGIO FREE FLOW?

O pedágio Free Flow é um sistema de cobrança que funciona sem a necessidade de cabines nem barreiras físicas. Ou seja, o motorista não precisa parar o veículo para realizar o pagamento. Daí o nome “free flow”, que significa “fluxo livre”.

Esse sistema já é utilizado em mais de 20 países ao redor do mundo, como Estados Unidos e China. A América Latina, o Chile e o Brasil são os únicos países que o utilizam de forma oficial.

1 – A COBRANÇA É REALIZADA POR MEIO DE UMA ESTRUTURA COMPOSTA POR UM PÓRTICO EQUIPADO COM CÂMERAS, SENSORES E ANTENAS
2 – OS EQUIPAMENTOS OPERAM MESMO EM CONDIÇÕES DE BAIXA VISIBILIDADE. NÃO É NECESSÁRIO REDUÇÃO DE VELOCIDADE
3 – A IDENTIFICAÇÃO É FEITA POR MEIO DE TAG OU PLACA.QUEM TEM TAG, O PAGAMENTO É AUTOMÁTICO. QUEM NÃO TEM TAG, DEVERÁ EFETUAR O PAGAMENTO ATÉ 15 DIAS. OS VALORES SÃO CALCULADOS POR SENSORES CAPAZES DE IDENTIFICAR LARGURA, ALTURA E QUANTIDADE DE EIXOS RODANTES

ATENÇÃO: O NÃO PAGAMENTO É CONSIDERADO INFRAÇÃO DE TRÂNSITO

Concessionárias alegam insegurança jurídica, baixo fluxo de veículos durante a semana e imprevisibilidade nos investimentos como fator de taxas de pedágio mais altas

VIA URBANA

Existe o pedágio urbano, apelidado de “imposto do congestionamento”, implantado em Singapura, Londres, Estocolmo e Nova York. Em Londres é cobrado com valores diferentes de acordo com o tamanho do carro, ano de fabricação e até isenção se o carro for elétrico. Todo o dinheiro arrecadado é revertido para melhorar a qualidade do transporte público, demonstrando assim qual o objetivo da cobrança dessa arrecadação. O Rio de Janeiro tem 2 pedágios cobrados em vias urbanas, a TransOlímpica com valor de R$ 0,34 por quilômetro para o trajeto de 23 km e a Linha Amarela, com a cobrança relativa de R$ 0,23 por quilômetro para os 17 km de extensão. Em 2018, a Linha Amarela foi alvo de grande discussão e repercussão nos noticiários. Sob a gestão do prefeito Marcelo Crivella foi criada uma CPI na Câmara de Vereadores, presidida por Jorge Felippe, que apontou um lucro indevido de R$ 1,6 bilhão na concessão.

Obra na serra das Araras avança com construção de viaduto e previsão de 200 desmontes de rochas neste ano

Com um placar de 43 a 0, os vereadores votaram a favor da via ser gerida novamente pela prefeitura com proposta de reduzir a tarifa para R$ 2,00 em sentido único, pois essa seria a taxa necessária para manutenção, segundo estudos da Secretaria de Vias Públicas. Entre idas e vindas do executivo e judiciário, cancelas foram derrubadas e depois retomadas. A LAMSA, concessionária que administra a via, pleiteava uma taxa de R$ 6,00. Quando o atual prefeito Eduardo Paes assumiu, montou um grupo de trabalho que cravou uma conta intermediária, jogando nem para um, nem para o outro e, então, fechou o valor do pedágio em R$ 4,00. A concessionária mantém seus balanços positivos na casa de R$ 50 milhões.

TAXAS EXTRAS

As concessionárias trabalham utilizando suas planilhas de CAPEX (investimentos) e OPEX (operação). As concessionárias realizam grandes investimentos, como é o caso da atual CCR/Rio SP que está alocando R$ 1,5 bilhão na construção de uma nova rodovia no trecho da Serra das Araras e da Ponte Rio Niterói, que depois de tantos anos, vem recebendo grandes investimentos de manutenção pelo desgaste ao longo dos 50 anos.

Outra rodovia no Rio que também causou questionamentos foi a Via Lagos por cobrar valores adicionais nos fins de semana. Segundo a concessionária, foram realizados grandes investimentos para transformar a rodovia de acidentes frontais em uma estrada duplicada e segura, porém em função do baixo fluxo ao longo da semana, a taxa aumenta 66% nos fins de semana para que a operação se equilibre.

Em 2022, foi aprovada a Lei 9.673/22, que proíbe no Estado do Rio de Janeiro a cobrança de tarifa mais cara dos pedágios aos fins de semana e feriados. A lei, que é de autoria do deputado Brazão (União) publicada e sancionada pelo governador Cláudio Castro, não entrou em vigor. Por se tratar de lei autorizativa, adormeceu e não foi implementada pelo Poder Executivo por um motivo óbvio, o estado precisa garantir a proporcionalidade do negócio ou o cumprimento do contrato, logo, se baixar o valor da taxa, a rodovia ficaria com a operação deficitária e o estado teria que pagar a diferença. Para arcar com essa despesa, o estado precisaria apontar de onde viria a receita equivalente no orçamento. Como não existe provisionamento para isso, a ação tanto da ALERJ quanto do governo do estado, segundo nosso entrevistado, foi “jogar para a galera”, por se tratar de algo inviável. A tarifa maior nos fins de semana continua e claro, o usuário está pagando a conta.

TAXAS EXTRAS

Embora muitos concordem com a cobrança de pedágio para que o motorista tenha vias mais seguras e com bons serviços, ainda existe insatisfação nessa relação. A Agência Nacional de Transportes Terrestres, o governo do estado e as prefeituras, realizam poucos movimentos em áreas já caracterizas como espaços privados. O sistema atual de praças fixas, um emaranhado de contratos antigos, direitos e deveres que deixam os usuários em nítida desvantagem quando trafegam por trechos curtos e o valor do pedágio (vide quadro a seguir) causam desequilíbrio no valor do quilômetro rodado. O caso da Rota 116 salta aos olhos, a praça está no quilômetro 2 e o usuário paga R$ 9,00, ou seja, R$ 4,50 por quilômetro até a praça.

Existe alguma boa notícia? A entrevista com Delmo Pinho, engenheiro civil, com mais de 50 anos trabalhando na área de logística do Rio, e atualmente assessor da presidência da Fecomercio, fala sobre esse assunto com profundidade. A entrevista está a sua disposição no canal da Revista Manchete no YouTube. Para você assistir, basta clicar no QRCode da matéria, que será direcionado. Segundo Pinho, os novos contratos de concessão estão melhor elaborados, prevendo o sistema Free Flow, testado e aprovado. Assim como funciona nos Estados Unidos, o motorista no Brasil irá pagar proporcionalmente ao trecho que utiliza na rodovia. E o que podemos fazer até lá? Continuar cobrando melhorias nos serviços para garantir estradas mais seguras e confortáveis.