Brasil x China
LAÇOS QUE SE ESTREITAM

O GIGANTE ASIÁTICO SE TORNOU UM DOS NOSSOS MAIORES PARCEIROS COMERCIAIS, E COMPREENDER SUA CULTURA É O SEGREDO PARA FIRMAR BOAS PARCERIAS. CONHEÇA OS BASTIDORES DESSA RELAÇÃO QUE UNE TRADIÇÃO, NEGÓCIOS E DIPLOMACIA.

A relação entre Brasil e China nunca esteve tão dinâmica. De parcerias comerciais a intercâmbios acadêmicos, o diálogo entre as duas nações vem se fortalecendo em diversas frentes. Para falar sobre esse tema, conversei com Thomas Law, mestre em Direito das Relações Internacionais Econômicas, doutor em Direito Comercial e presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina) – entidade que atua na integração entre os dois povos e na difusão de suas culturas. Com sólida experiência internacional, o especialista comenta como o Brasil pode ampliar as oportunidades com o país asiático, a importância do respeito às tradições locais e os novos caminhos abertos pela tecnologia.

Como começou sua ligação com a China e o Direito Internacional?
Meus pais são chineses, e essa origem sempre influenciou minha trajetória. Estudei em colégio americano, depois me formei em Direito e, durante a faculdade, fiz intercâmbio em Pequim. Isso despertou meu interesse pelo Direito Internacional e pelas relações entre Brasil e China. Mais tarde, fundei o Ibrachina justamente com o propósito de aproximar os dois países cultural e juridicamente.

O senhor costuma dizer que, para fazer negócios com a China, é preciso entender a cultura local. Que cuidados o empresário brasileiro deve ter?
O primeiro passo é compreender os costumes e valores chineses. Por exemplo, quando você entrega seu cartão de visita, deve fazê-lo com as duas mãos, e receber o do outro da mesma forma, olhando-o com atenção antes de guardá-lo. Parece um detalhe, mas pode decidir o sucesso ou o fracasso de uma negociação. Outro ponto importante é entender a entonação da língua. Em mandarim, uma mesma palavra pode ter quatro significados diferentes, dependendo do tom. Esses aspectos culturais influenciam diretamente na comunicação empresarial.

E quanto às relações comerciais entre os dois países, que oportunidades o senhor enxerga?
O Brasil tem um enorme potencial de ampliação das parcerias com a China. Há uma presença crescente de missões brasileiras em feiras e eventos, como a Canton Fair (China Import and Export Fair), em Xangai, e outras iniciativas que aproximam setores como o agronegócio e a indústria. A Associação Brasileira de Carne, por exemplo, tem levado frigoríficos brasileiros para rodadas de negócios dentro da China. São oportunidades valiosas, mas é preciso preparo e respeito às tradições locais.

Essas diferenças culturais também se refletem em situações sociais, como jantares e cerimônias?
Sim. Nas refeições formais, as mesas costumam ser redondas e há uma ordem simbólica de lugares: o anfitrião senta e o convidado mais importante fica à direita dele e o segundo mais importante, à esquerda. Há ainda a tradição dos brindes. Até o terceiro, todos brindam apenas com os líderes das delegações; somente depois é que podem brindar com o anfitrião chinês. E um gesto muito apreciado é segurar o copo um pouco mais abaixo, em sinal de respeito. Isso demonstra humildade e consideração pela hierarquia. Outro costume é o consumo da bebida Moutai, uma espécie de cachaça chinesa com teor alcoólico alto, que faz parte das celebrações oficiais. Saber se portar nesses momentos é essencial para conquistar a confiança dos parceiros chineses.

O senhor costuma receber delegações chinesas no Brasil. Como é essa troca cultural?
É uma experiência riquíssima. Já trouxemos pessoas de universidades renomadas, como a East China University of Political Law and Science, e também grupos artísticos, como a Ópera Nacional de Pequim. Em todas as ocasiões, há um interesse genuíno pela cultura brasileira. Eles apreciam nossa culinária, especialmente carnes e frutos do mar, mas costumam rejeitar o queijo. Cada grupo tem suas preferências, e o importante é sempre respeitar essas diferenças.

Como o senhor avalia o sistema jurídico chinês em comparação ao brasileiro?
A China tem uma população muito maior do que a do Brasil, mas um número menor de advogados – cerca de 830 mil. Isso mostra uma diferença estrutural grande. Lá, há menos processos judiciais: enquanto um ministro do STJ no Brasil recebe, em média, dois mil processos por mês, os tribunais chineses julgam cerca de 40 mil ações por ano. Isso acontece porque a cultura chinesa valoriza a conciliação, a mediação e a arbitragem, métodos que evitam o litígio e preservam as relações comerciais e pessoais.

“O Brasil tem um enorme potencial de ampliação das parcerias com a China. Há uma presença crescente de missões brasileiras em feiras e eventos.”
Thomas Law, doutor em Direito Comercial

 

A LEI A FAVOR DOS CLUBES

VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM SOCIEDADE ANÔNIMA DE FUTEBOL (SAF)? SAIBA QUE É UM MODELO EMPRESARIAL QUE VEM TRANSFORMANDO A GESTÃO DE CLUBES. PARA FALAR SOBRE O ASSUNTO, CONVIDAMOS O PROCURADOR DO ESTADO RAFAEL ROLIM, QUE, ALÉM DE TRICOLOR APAIXONADO, É ESPECIALISTA NO ASSUNTO.

Nos anos 80 e 90, o que se via no gramado? Jogadores estampando nas camisas a imagem dos patrocinadores do time. Era a forma de injetar dinheiro para alavancar os clubes. Mas, com o passar do tempo, esses patrocínios foram perdendo força. Até que, em 2021, foi criada a Lei nº 14.193, a SAF, como um instrumento jurídico que assegura a entrada de investidores nos clubes de futebol brasileiros, para uma melhora na gestão administrativa. A seguir, veja o que Rafael Rolim diz a respeito.

O que se pretendeu com a chegada da lei da SAF?
Permitir que investidores com o interesse em explorar essa atividade econômica que é o futebol, o qual gera bilhões de reais, contem com um veículo jurídico para fazer isso. Assim, há a entrada de mais dinheiro para os clubes, que, em grande parte, estão endividados, e dá a eles a oportunidade de evoluir ao longo dos anos. A SAF não é uma solução mágica, e sim um instrumento para modernizar o clube e atrair mais investidores.

Quais os benefícios da SAF para o futebol brasileiro?
A lei trouxe a possibilidade de um clube se transformar em empresa, a Sociedade Anônima de Futebol. Há duas grandes mudanças nisso: um imposto de renda único, para que o clube não sofra tanto com a carga tributária, e o Regime Centralizado de Execução (RCE), partindo da premissa que muitos deles estão endividados. O RCE dá segurança ao fluxo de caixa, impedindo penhoras e constrições no patrimônio. Uma lista de credores é criada e o clube trata essa dívida ao longo de até dez anos.

Com a SAF, há o risco de tirar aquela paixão do nosso clube de infância, já que ele vai virar uma empresa?
Essa é a grande preocupação do torcedor. Mas não haverá mudança cultural nos clubes. A SAF assegura a manutenção da bandeira, das cores, do hino e da cidade de origem dos clubes, justamente para que não percam sua essência.

Há algum risco envolvido na SAF?
Um dos riscos é não colocar cláusulas que assegurem o clube. Por isso, é tão importante debater a SAF antes. Eu costumo dizer que o mais essencial é a pré-SAF. É nesse momento que vão ser estabelecidos alicerces, como escolher um investidor melhor e fixar um plano de investimento mais favorável. Assim, há mais força para resguardar os interesses do clube e de sua torcida. Porém, se o clube está desesperado para fazer a SAF, a tendência é que ela seja pior ou com mais insegurança jurídica.

Os torcedores podem comparar modelos de SAF existentes e imaginar que o seu time vai passar por tudo aquilo, sejam experiências boas ou ruins… Mas há um modelo a ser seguido quanto a isso?
Ao longo dos anos, foi construída uma imagem de SAF muito ligada a futebol e empresas do exterior. Então, no caso das ligas europeias, há um nível de investimento muito alto nesses clubes. Mas lá existem outros interesses que aqui no Brasil não tem. Por exemplo, os investidores lá de fora podem ter interesses geopolítico em investir em certos clubes para entrar naquele país, e por isso é muito comum vermos sheiks árabes injetando muito dinheiro em clubes da Europa. Isso fixou a ideia de que o clube-empresa é ótimo porque entra muito dinheiro. E não é necessariamente assim. Não existe receita de bolo para uma SAF. Cada SAF é diferente, porque, como já disse antes, ela é um instrumento. O que importa é o investidor, como ele vai investir esse dinheiro e quais são as cláusulas que ele se compromete com aquele clube. E cada clube vai ter uma realidade diferente

E, afinal, o que é um bom investidor na SAF?
É um investidor comprometido com a perenidade do clube, com o seu futuro, e não com aquele sucesso imediato de três anos e a revenda. Essa é a grande dificuldade: conseguir fazer uma gestão profissional, afastando um pouco a paixão. Por isso é que acho o modelo empresarial muito bom, porque consegue trazer esse afastamento. Claro que a paixão sempre fala mais alto em algum momento da gestão, mas o investidor consegue implementar seus ideais profissionais que já são bem-sucedidos. Antes de se tornar SAF, é preciso haver pessoas comprometidas dentro do clube, que só tenham o interesse de transformá-lo.

Sergio Maciel é vice-presidente da Revista Manchete, bacharel em direito, especializado em relações institucionais e governamentais

JUDICIÁRIO

NENHUM EMPRESÁRIO ESTÁ LIVRE DE VIVER UMA CRISE EM SEU NEGÓCIO. MAS, ANTES DE DECRETAR FALÊNCIA, EXISTE UM RECURSO JUDICIAL CAPAZ DE TRAZER MAIS TRANQUILIDADE PARA A RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS FINANCEIROS DE SEU CNPJ. AQUI, SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO.

Recuperação judicial
AJUDA ESSENCIAL ÀS EMPRESAS

O que Odebrecht, Samarco, Oi e Lojas Americanas têm em comum? Todas deram a volta por cima após passarem por uma recuperação judicial. Esta é uma ferramenta legal de extrema importância, que oferece ao empresário a capacidade de reorganização das suas dívidas. Para falar sobre o assunto, eu converso nesta edição com o advogado Julio Matuch de Carvalho, administrador judicial e um grande conhecedor do tema.

A recuperação judicial somente pode ser feita com empresas quebradas?
Não, de forma alguma. Existe um pressuposto para a recuperação judicial que é a chamada crise da empresa, que pode ser ocasionada por fatores internos ou externos, em que não consegue desenvolver a sua atividade. É para essas situações, e justamente para evitar que a empresa quebre, que foi criado esse instituto de recuperação judicial.

Inflação, alta de juros e tarifaços são problemas que afligem os empresários. Qual orientação o senhor daria para eles?
Essas questões trazem uma situação de desconforto, a qual podemos chamar de imprevisibilidade, que é fatal para qualquer negócio. Nesse momento em que as coisas estão mais complexas, a recuperação judicial assume uma proporção maior, justamente pela capacidade de evitar uma quebradeira em massa, possibilitando que os empresários reorganizem os seus negócios e mantenham as empresas vivas.

O vice-presidente da Revista Manchete, Sergio Maciel, entrevistou o advogado Julio Matuch

Somente as grandes empresas podem se beneficiar?
Esse é um instrumento para qualquer tamanho de empresa. Quando nós falamos de recuperação, nos referimos à reorganização de débitos. E, para o entendimento da complexidade, consideramos o tamanho da dívida. Nós trabalhamos como administradores judiciais, e somos aquela pessoa de confiança do juiz para quem a recuperação é distribuída e que fazemos o contato entre todos os envolvidos – credores, empresa devedora, juiz e Ministério Público. No meu escritório, temos projetos de recuperação de dívidas de R$ 3 milhões até quase R$ 1 bilhão. Então, posso dizer com tranquilidade: a recuperação é para todos. O fechamento de uma empresa é sempre nocivo à sociedade. O ideal é que elas permaneçam abertas, se forem viáveis.

O empresário tem a preocupação de que a recuperação judicial pode afetar a imagem de sua empresa?
Existe uma resistência cultural do empresariado brasileiro à recuperação judicial. Isso porque grande parte é formada por pessoas sérias, e muitas vezes são negócios familiares. E quando o empresário é confrontado com a crise, tem dificuldade de entender que, realmente, o negócio dele não pode prosseguir como está. Por isso, leva aquela situação às últimas consequências. E quando, finalmente, a realidade se impõe e ele já nem consegue pagar o salário dos seus funcionários, é aí que pensa em recuperação. Mas pode ser tarde demais. O empresário precisa se preparar para a recuperação judicial assim que percebe que, dali a um ano, não vai conseguir pagar as suas dívidas. É o momento ideal para buscar um advogado especializado e fazer toda uma reorganização, de modo a preparar a sua empresa para os próximos 10, 20, 30 ou 50 anos.

E quanto aos custos dessa operação?
A recuperação judicial é um processo complexo e caro. Mas, assim que o advogado apresenta a petição ao magistrado, existe uma ferramenta muito importante, que é o “esteio”, que significa “pare” ou “congele”. Durante seis meses, que podem ser prorrogados por mais seis meses, o empresário não pode sofrer qualquer penhora. Com o esteio, ele não precisa mais ficar se desculpando com os credores. Simplesmente, aquelas dívidas paralisam e ele consegue a proeza de se sentar com todos eles para discutir como vai se dar o pagamento dali para frente. E isso vai ser feito dentro de um plano de recuperação judicial, em que haverá uma proposta de redução e de número de parcelas. É uma ferramenta extraordinária porque, quando o empresário conseguir respirar, terá tempo para focar no seu negócio. Quanto aos custos, ele vai precisar demandar entre 20% e 30% do valor da dívida para o pagamento não apenas do advogado, mas de todos os envolvidos naquele processo recuperacional.

Onde os empresários que estão enfrentando crises podem saber mais sobre o tema?
Nós temos dois grandes institutos que possuem páginas na internet com muita informação: o Instituto Brasileiro de Direito da Empresa (IBDE) e o Instituto Brasileiro de Administração Judicial (Ibajud). Além disso, no site do meu escritório (mcaa.adv.br), há muitas orientações a respeito de recuperação judicial.

 

Sergio Maciel é vice-presidente da Revista Manchete, bacharel em direito, especializado em relações institucionais e governamentais.